DIVERSIDADE SEXUAL E PRECONCEITO: O CENÁRIO NA AMÉRICA DO SUL
- kombire(e)xistência
- 28 de set. de 2018
- 6 min de leitura
Atualizado: 17 de out. de 2018

“Ainda existe tanto preconceito; é tão angustiante se sentir sozinho, sem compreensão, com os xingamentos; somos considerados uma escória, se não fosse por alguns poucos amigos que compreendem nossa batalha diária; vejo o futuro com tanto pessimismo, que tristeza”. (depoimento de um estudante gay, 21 anos, estado do Piauí).
“Me fizeram sentir uma aberração. Diziam que ser lésbica não é normal, e sim resultado de criação, influências e/ou bloqueios mentais. Me chamavam no masculino, não deixavam eu usar o banheiro feminino e diziam que eu devia ser transexual. Desejaram em redes sociais que eu e minha namorada tivéssemos aids e que eu morresse. Me senti isolada e excluída de todas as possibilidades afetivas, uma pária no ambiente educacional”. (depoimento de uma estudante lésbica, 16 anos, Distrito Federal).
Os relatos são aterrorizantes, crimes de ódio, no mais puro sentido da sentença. Hostilização, violência nas ruas, mutilação de membros, tortura, esfaqueamento, apedrejamento, estupros corretivos. A desumana crueldade imposta às vítimas LGBT também nos acerta como um soco na barriga.
No Brasil, desde a década de 80 a violência contra homossexuais tem representado um assunto importante para o ativismo, levando a discussão para os governos e, consequentemente para a mídia.Hoje, o quadro de violência às mulheres e à população LGBT continua a ser assustador.
Segundo dados da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA) o Brasil ocupa o posto de primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas.
Estas práticas de violência refletem raízes profundas de uma sociedade marcada por tradições com parâmetros guiados pelo machismo e pela influência religiosa, onde as vítimas fogem dos modelos tradicionais de mulheres e homens cis, heterossexuais, a tal família tradicional brasileira.
A onda conservadora que vem crescendo no Brasil no sentido político, de um congresso interligado a instituições religiosas, interfere fortemente, de forma negativa e cruel, sob os avanços nas legislações de direitos LGBT.
Ataques a pessoas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero são muitas vezes impulsionados por um desejo de punir aqueles vistos como desafiadores das normas de gênero e são considerados uma forma de violência de gênero. Você não precisa ser lésbica, gay, bissexual, transgênero ou intersexual para ser atacado: a Mera percepção de homossexualidade ou de identidade transgênero é suficiente para colocar as pessoas em risco (Violência homofóbica e transfóbica, UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS).
Atualmente, no Brasil, não conseguimos mensurar com precisão o tamanho da violência contra LGBTs devido a falta de dados oficiais. O único órgão que faz o levantamento nacional é a ONG Grupo gay da Bahia (GGB), que, com base em informações publicadas em jornais e sites de revistas, contabilizou 958 crimes em três anos. Ou seja, os crimes não divulgados, ou não responsabilizados como “crimes de ódio” não entram nas estatísticas, o que torna a base de dados extremamente falha, escassa e irregular. Entretanto corrigir isso não é uma tarefa simples, e lamentavelmente, isso não ocorre apenas do Brasil.
Em diversos países casos de violência não são divulgados, seja por falta de instituições de coleta ou por medo das vítimas em efetuar as denúncias. Além disso, em muitos casos de violência a orientação sexual e identidade de gênero acabam não sendo levadas como fatores de importância pelas autoridades governamentais competentes, logo estes crimes não entram para as estatísticas LGBTI.
Segundo o relatório do Alto Comissariado da ONU, “Os dados oficiais sobre violência homofóbica e transfóbica são escassos e irregulares. Relativamente poucos países têm sistemas adequados para monitoramento, registro e notificação de ódio homofóbico e crimes transexuais. Mesmo onde existem tais sistemas, as vítimas podem não confiar na polícia o suficiente para se expor, e os próprios policiais podem não ter sensibilidade suficiente para reconhecer e adequadamente registrar o motivo. No entanto, reunindo tudo o que está disponível nas estatísticas nacionais e completando-as com relatórios de outras fontes, um padrão claro emerge – de violência brutal, generalizada e muitas vezes impune”.

Infelizmente o problema não para por aqui. A situação é crítica também em outros países da América Latina. Na Argentina, por exemplo, foram 12 assassinatos de trans só em 2016. Segundo a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), entre 2013 e 2014 foram registrados pelo menos 770 casos de violência contra pessoas LGBT na América Latina, sendo que 594 pessoas foram assassinadas.
CHILE. Santiago, 2012: Daniel Zamudio, de 24 anos, após 3 semanas internado, morreu em consequência de ferimentos graves sofridos durante um ataque de um grupo de neonazistas no Parque San Borja. O crime chocou os Chilenos. Não apenas pelo fato de um homem gay ter apanhado até a morte em um espaço público, mas também pela natureza sadística do ataque. Os agressores o torturaram durante horas com queimaduras de cigarro e suásticas esculpidas em seu corpo com vidro de garrafa e esmagaram sua perna com um pedra de 8 kilos. O episódio expôs que existia um projeto de lei contra a discriminação aos homossexuais que estava na gaveta há sete anos por receio, por parte dos conservadores e da Igreja, que a aprovação do projeto de lei abrisse caminho ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Porém, poucas semanas depois do assassinato de Zamudio, legisladores, estimulados pela indignação pública, assinaram o mesmo um projeto de lei contra a discriminação que vinha definhando no parlamento. O projeto de lei torna crime discriminar com base em raça, etnia, religião, orientação sexual, gênero, aparência ou deficiência.
ÁFRICA DO SUL. Kwathema, 2011: A ativista sul-africana de direitos LGBT Noxolo Nogwaza, 24 anos foi estuprada e assassinada. Seu rosto e cabeça foram desfigurados por apedrejamento e ela foi cortada várias vezes com pedaços de vidro quebrado. As pessoas que estavam perto da cena do assassinato relataram ouvir homens gritando “tiraremos a lésbica de dentro de você”, por volta da hora do ataque. Mais de 2 mil pessoas compareceram ao funeral de Noxolo, muitos denunciando a violência homofóbica e pedindo o fim da prática do chamado estupro “punitivo” ou “corretivo” de lésbicas.
Países como Argentina, Uruguai, Brasil e Colômbia têm se destacado por seus importantes avanços em matéria de leis que reduzem a discriminação e a violência contra pessoas LGBT. Esses são os únicos países na América do Sul onde o casamento gay é legalizado.
No entanto, as leis progressistas não são acompanhadas de transformações sociais ou culturais que refletem a legislação. "O fato de que (o país) tenha leis progressistas não significa que as pessoas estejam de acordo com elas e as cumpram", diz Carlos Quesada.
Vê-se necessário um órgão governamental que esteja preparado para não apenas enfrentar a discriminação, mas também explicar ao público em geral porque é necessário agir em ordem a prevenir e punir adequadamente esse tipo de atitude violenta contra LGBTs.
Nós estamos em um momento de revolução, de luta. As minorias estão aumentando a volume, e começamos a enxergar o arco-íris no fim do túnel. Estamos passando por uma crescente onda de mobilização e ativismo no âmbito LGBT e feminino, onde vemos a nova geração sendo criada para lutar por seus direitos e respeitar o próximo. Mesmo assim, ainda somos rotulados por muitos como a geração “mimimi”. O que preocupa é esse número, considerável, que ainda considerare “mimimi” a reivindicação por uma sociedade igualitária. Não somos uma geração de frescuras, e sim uma geração de voz.

NOSSO PROJETO
Apesar da diminuição do preconceito nos últimos anos e o turismo esteja muito melhor preparado para atender a comunidade LGBT, sabemos que a homossexualidade ainda é um tabu e a segurança depende muito do destino e também do grau de exposição do viajante. Muitas vezes nós não sabemos como as pessoas irão reagir dentro de nossa própria comunidade, quem dirá em outra cidade. Essa aflição e insegurança, apesar de completamente injusta,infelizmente, é real.
E foi por isso, que diante do alarmante quadro de violência contra a população LGBT nos países da América do Sul, e do fato de que vivemos em um país que tem um dos maiores índices de violência contra a mulher, nos vimos na obrigação de se envolver e buscar alguma forma fazer nossa parte na luta pela igualdade e respeito.
Temos dois objetivos principais, ambos com foco na comunidade LGBT: Um guia da América do Sul, envolvendo a parte turística gay-friendly e o turismo de aventura.
A nossa ideia é mostrar lugares que o público LGBT pode conhecer tranquilo, onde serão bem vindos e onde tomar extra cuidado. Porém, mais que isso, o foco é criar um conteúdo de viagem que fuja do padrão geralmente encontrado, com foco em bares e baladas, o que queremos é incluir informações sobre os direitos civis e leis antidiscriminação dos locais visitados, sempre de forma fácil e acessível. Iremos trazer artigos com diferentes perspectivas e para isso contamos com colaborações no caminho. Não apenas trazer ao público como foi para nós estar em cada lugar, mas como é para um gay viver em Buenos Aires, ou para uma trans visitar Lima, isso tudo por meio de um estudo antropológico com entrevistas, rodas de conversa e relatos externos.
Nosso objetivo é ser referência para os gays, lésbicas e afins que estejam planejando viagens pela América do Sul, e auxiliar àqueles que deixarem de fazê-lo por receios fundados pela violência contra homossexuais. A ideia é falar de viagem sob a ótica LGBT.
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